terça-feira, 2 de junho de 2009

Síndrome das memórias falsas

Síndrome Das Memórias Falsas

As nossas memórias não são seguras. Esquecemos muitas coisas e por vezes recordamos outras que nunca aconteceram, ou seja, temos falsas memórias.

As nossas memórias de infância podem ser particularmente falíveis, pois, não tendo então o entendimento de um adulto, a criança pode adulterar aquilo que observa ou a sua percepção ser afectada pelo facto de ser muito jovem. "A casa onde crescemos", afinal, parece-nos sempre muito mais pequena quando somos adultos e isso é uma experiência normal, já que na altura éramos muito mais pequenos e a casa parecia-nos muito maior. Emoções fortes como o medo, a tristeza e o deslumbramento podem colorir c distorcer de forma considerável as recordações, tal como o preconceito moral e a superstição.

Testemunhas de crimes e acidentes podem narrar os eventos a que assistiram, por vezes da mesma perspectiva, de formas surpreendentemente diferentes, mas a síndrome das memórias falsas torna-se particularmente relevante em casos de acusações de violação e de alegações de abuso de menores arrancadas anos mais tarde, já na idade adulta, por psicoterapeutas demasiado entusiastas.

No início do século XX, Freud descobriu que alguns dos seus doentes, oriundos da classe média vienense, descreviam nas sessões de psicanálise actividades sexuais envolvendo os pais, o que Freud atribuiu a fantasias reprimidas que apareciam sob hipnose ou através do processo de associação livre de ideias. Recentemente, porém, surgiu uma tendência que atribui muitas perturbações psiquiátricas e de personalidade a situações de abuso de menores, mesmo que o doente não se lembre de nada relacionado: é a chamada "síndrome do sobrevivente do incesto". O livro The Courage to Heal (de Laura Davis e Eilen Bass) levou muitas mulheres a recorrerem à chamada terapia de recuperação de memórias, durante a qual se acede a recordações que se assume terem sido reprimidas. A terapia engloba várias técnicas, como, por exemplo, a interpretação dos sonhos, a terapia pela arte, o "reviver" de emoções reprimidas induzido por drogas, ab-reacções (respostas automáticas a estímulos externos que levam a pessoa a recordar certas vivências, como o abuso), hipnose, "grupos de sobreviventes" e terapia regressiva. As denúncias que muitas vezes se seguem têm destruído famílias e levado à apresentação de queixas-crimes e de pedidos de indemnização. Os psicoterapeutas que levantam estas hipóteses são, por sua vez, acusados de implantarem memórias falsas nos seus doentes através da sugestão.

E certo que os pais acusados de abuso por via destas terapias se inclinam a aceitar a interpretação das "falsas memórias", mas o facto é que indivíduos que "recuperaram" as suas memórias através de terapia se apercebem e admitem agora que foram claramente persuadidos a fazê-lo.

Para o Royai College of Psychiatrists do Reino Unido, não existe qualquer prova que sustente a ideia de que as memórias possam ser "bloqueadas pela mente". E acrescenta: "As memórias recuperadas diferem de outros tipos de acontecimentos esquecidos e relembrados porque são construídas ao longo do tempo. São mais parecidas com narrativas do que com memórias, acrescentando-se algo mais cada vez que se tenta relembrar e ficando as memórias recuperadas cada vez mais elaboradas c bizarras [...]. As expectativas do terapeuta e/ou do doente, reforçadas por leitura guiada, técnicas específicas e expectativas do grupo de sobreviventes, podem distorcer uma memória existente e implantar uma totalmente nova."

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